19 de setembro de 2009

OS ESTATUTOS DO HOMEM

Em minhas divagações pela BBT, em busca de literaturas interessantes, encontrei um livro de poemas se Thiago de Mello, de Santiago do Chile. Bem, não é um poema, mas digno de leitura.

Os Estatutos do Homem
(Ato Institucional Permanente)

ARTIGO I - Fica decretado que agora vale a verdade, que agora vale a vida, e que de mãos dadas, trabalharemos todos pela vida verdadeira.

ARTIGO II - Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm o direito de converter-se em manhãs de domingo.

ARTIGO III - Decretado, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia todo, abertas para o verde onde cresce a esperança.

ARTIGO IV - Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem assim como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo Único: O homem confiará no homem como um menino confia em outro menino.

ARTIGO V - Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará a mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.

ARTIGO VI - Fica estabelecido, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

ARTIGO VII - Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa pra sempre desfraldada na alma do povo.

ARTIGO VIII - Fica decretado que a maior dor sempre foi e sempre será não poder dar-se amor a quem se ama e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor.

ARTIGO IX - Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.

ARTIGO X - Fica permitido a qualquer pessoa, a qualquer hora da vida, o uso do traje branco.

ARTIGO XI - Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama e por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.

ARTIGO XII - Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo Único: Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.

ARTIGO XIII - Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.

ARTIGO FINAL - Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como o fogo ou o rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.

Thiago de Mello
Santiago do Chile
Abril de 1964

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