14 de outubro de 2010

Capítulo 06 – Mas o que é o amor?

Todo o romantismo entre mim e a paisagem urbana de uma cidade pequena tinha se desmoronado depois dessas ultimas frases. Os sons se emudeceram. E uma única frase ecoava em minha cabeça por toda a tarde: “Você nunca amou?”. Os instantes seguintes à essa conversa são irrelevantes. Saímos dali e voltamos a nos afundar naquele escritório. Ao voltar, Rômulo colocou o fone de ouvido e não o tirou mais, durante todo o dia. Eu fechei a cortina, coloquei meu blazer, e terminei furiosamente o projeto que estava atrasado, passando os arquivos via rede para Rômulo montar as pranchas. Renan voltou. Tentou chamar nossa atenção sobre alguma coisa que não me lembro mais o que era. Mas ele percebeu o quão sério nós estávamos, e como isso não é muito normal, acho que ele percebeu o peso do ar naquele escritório. Falou o que tinha que falar e foi para sua sala.

Você nunca amou? Perguntava meu subconsciente segundo a segundo. A raiva daquela conversa subia cada vez que pensava numa possível resposta para essa pergunta. Onde eu estava com a cabeça quando falei aquelas coisas pro Rômulo? Nos carros passando na rua? Nos cabelos da Laura? No vapor saindo da xícara de café? Havia perdido meus pensamentos, e não conseguia perceber em que momento foi que isso aconteceu!

Um sentimento de angústia e vergonha começou a tomar conta de mim a partir de então. O projeto fluía. A coragem de encarar o Rômulo nunca vinha. Tinha medo de a raiva me subir a cabeça quando o encarasse. Renan tomou o café das dezesseis horas sozinho. Nem questionou quando nos recusamos a acompanhá-lo até a cozinha. Da minha mesa podia ouvir o ruído da cafeteira (era óbvio que Renan não sabia fazer café, só com uma cafeteira mesmo), o assobio de uma música que nem ele seria capaz de identificar. O apartamento acima do nosso era o único que se mantinha residencial. E, ainda por cima, era uma república. Constantemente tínhamos problemas com eles. Nesse dia não foi nada de grave, mas, depois que o ruído da cafeteira cessou, percebi que alguém tinha esquecido um despertador ligado. Ele começou a tocar aquele “piririri-piririri” irritante e não parava mais. Tinham se passado mais ou menos uma hora e meia de incômodo e aquele despertador agora martelava na minha cabeça. Depois de um dia transtornado como aquele. Comecei a juntar minhas coisas alguns minutos antes do horário de fecharmos. Geralmente ficamos um pouco a mais. Juntei rápido, peguei meu blazer, coloquei o fone de ouvido. E fui na direção da saída. Sem perceber, Rômulo e eu estávamos saindo ao mesmo tempo. Ainda não tínhamos nos encarado desde o final da conversa. Desci de escada, e ele foi na direção do elevador. Ao começar a descer as escadas dei o play no mp3. E aquela mesma música desconhecida voltou a tocar.

Nessa hora a Nice veio na minha cabeça. E então a conversa com Rômulo. E um monte de outras coisas. Ao passo que os andares abaixo pareceram apenas degraus, e eu já estava no térreo do prédio, novamente de frente para o elevador, quando a porta se abriu e dei de cara com Rômulo. Meu olhar tentou desviar do dele, mas então me encarei no espelho que estava atrás dele, e percebi o quão infantil estava sendo. Olhei de novo pra ele e disse a única coisa que consegui concluir depois daquela escada:

_ A verdade é que, se perguntarem o que é o amor pra mim, não sei responder! Não sei explicar!

_ E quem falou que tem explicação? – ele disse com a mesma tranqüilidade que eu ao exclamar tal coisa.

Rômulo não mora muito longe do trabalho. Ele vem a pé. Então, peguei minha bicicleta e o segui, mesmo sem convites, mesmo não sendo caminho para a minha casa. Aquela conversa, aquele desabafo, aquele clima pesado não podia simplesmente ser esquecido com uma boa noite de sono. Ela devia ser bem mastigada e digerida. Foi o que fizemos nessa caminhada até a porta de sua casa.

_ Fiquei o resto do dia procurando lembranças na minha cabeça de momentos em que me senti amado. Poucos flashes da infância me vieram a mente. Alguns fins de semanas que íamos ao parque municipal, ou os passeios pelas largas avenidas, em família. A liberdade do espaço, do desconhecido e a proteção do abraço, do familiar. – o sol se punha por trás dos morros que escondiam o horizonte, a luz dos postes já se acendiam, e um vento frio soprava. A caminhada era curta, precisava falar tudo de uma vez.

_ Zé, não creio que estávamos falando de amor paterno àquela hora!

_ Sim, eu sei. Mas, essa foi a única definição de amor que eu encontrei em mim. Se é que, como criança, não tenha fantasiado esses momentos em realidades que não condizem com o sentimento dos meus pais nesses passeios.

_ Você está sendo muito cruel consigo mesmo. Não olhe a vida por esse ângulo! – talvez Rômulo tivesse razão ao dizer isso, nossas opiniões e certezas não passam de uma situação vista a partir de um ponto de vista.

_ Tá, pode ser. Mas então, me mostre a partir do seu ponto de vista provas de que eu fui amado um dia! Você conheceu meus pais, conhece o que precisa ser conhecido da minha vida. Me diga, existe alguma evidência de amor em mim?

_ Zé, chega disso, não nos compete julgar o que é amor!

_ Mas você não ama sua mulher?

_ Não é simples explicar. O amor é uma mágica. Só sei que o amor cresceu dentro de mim. Me fez renascer. Não que ele tenha surgido do nada. Foi algo plantado. A mágica não acontece sozinha. Ela tem que ser feita. – anos depois fui entender a profundidade das verdades embutidas nesse pensamento de Rômulo.

_ Então me diga onde está a simplicidade disso tudo, não foi você quem disse que não tem como ser complicado? – pelo menos foi a ultima coisa que lembrava da conversa daquela tarde.

_ Alguns dizem que o amor é um jogo. Eu prefiro encarar como uma escolha.

_ Sim, escolher a pessoa certa. Escolher um amor pra toda vida! Isso talvez seja uma baboseira nesse mundo moderno em que vivemos. – a essa altura da conversa já estávamos na calçada da casa dele.

_ Não é disso que estou falando. O amor é uma escolha integral. Não se escolhe a quem se ama. O amor acontece. Mas você tem que optar por amar, seja quem for. Amar primeiro a você mesmo. Quem você é e foi. Pra depois permitir que o amor alcance outros.

Diante dessa exposição não tive mais cabeça pra retrucar ou responder. Fiquei apenas parado.

_ Entra pra uma cerveja? – disse sorrindo como se estivesse pedindo desculpas.

_ Está esfriando hoje! Vou pra casa. Preciso descansar um pouco!

Ele se aproximou e me deu um abraço. A muito tempo não recebia uma abraço sincero. Apenas formais comprimentos.

_ Não encha sua cabeça com falsas e mirabolantes teorias sobre o amor ou sobre relacionamentos. Apenas aceite-o e deixa a vida rolar!

O resto do caminho (ou, na verdade, todo o caminho, já que tinha me desviado do caminho mias curto para casa) o vento frio não era percebido pela minha pele. Todas aquelas situações de hoje me deixaram, talvez, mais insensível e curioso por entender o que se passava na minha mente sobre toda minha trajetória até o presente sentimento de medo que me dominava.