24 de agosto de 2009

PARA BENS MAIORES

Saber abraçar, sentir
Olhar nos olhos e dizer
O que a mente não tem coragem
Fechas os olhos e gritar
O que o coração em prantos sussurra
Por que nos escondemos?
Por que nos preservamos?
A maquilagem escorreu
Com as lágrimas que dos olhos jorraram
Riscou o rosto com saudade
Com dúvidas, com medo
Esquecimento
Esqueceram
Me deixaram
Abandono

Abandone esse sentimento
Senti no chão, deite no colo
Chore de alegria, ria
Imite, critique, bata na boca
Faça umas "coisinhas" aqui, outras ali
Registre o momento, grave
O momento em que a desilusão
Lágrimas e susto se tornaram grandes gargalhadas
Abra o sorriso
Seja feliz
Como um bolo feito pela Tia Vilma
Beba Coca-Cola
Ria mais, seja capaz
De entender o que a vida te reservou
O que Deus, cuidadosamente, preparou
Dizer parabéns pelo msn não basta

Um abraço apertado
Um sorriso, mesmo que esfolado
Uma rima pobre
Em uma caixinha de cobre

Essa você pode levar pra casa
Nela o coração, um ombro
Um amigo, um irmão
Uma mão
Um carinho, um beijinho
Um abraço, um versinho.
Fim, do poema, início de um dilema

18 de agosto de 2009

SONHO DE UM CEGO

Os olhos, já escuros, se fecham. Um bocejo e uma lágrima. O dia foi árduo. Finalmente o merecido descanso. A cabeça sobre plumas. O corpo coberto, aquecido. A mão corre pelo cobertor, o tato é macio. O corpo desliga. Mas a mente não para. A fábrica humana de sonhos funciona a todo vapor. Uma linha de raciocínio vira uma estrada, um caminho. O pé descalço segue por ele.
O sinal se fecha. A espera pelo silêncio dos motores para poder atravessar a rua. Os motores não param. A rua não se silencia, o mundo não dá passagem. Ele se atreve e atravessa assim mesmo. Um cão late. Agora dois. Um focinho gelado toca sua perna. Sua mão procura. Acaricia o macio pelo branco de um cachorro preto. Um bando de cachorros o guia para o outro lado da cidade, onde uma guangue de ratos o prende em uma cadeira e começa a interrogá-lo. Onde estão os queijos, vermelhos e suculentos. Os queijos tem gosto de vermelho. Ele não sabe. A fria geladeira e grande demais para poder localizar todo o queijo do mundo.
Ouve-se uma voz, os ratos se movem. É uma voz de mulher, nova, rouca mas delicada. Ele conhecia mulheres, já havia apalpado seios. Ela o pega no colo. Esses são muchos e caídos, e o tronco curvo. Ele olha sua face. Ingênua e grosseira. Te mostrarei os queijos. Ela diz. O que se passa a seguir são incógnitas. Voaram? Deslizaram? Caíram? Não se soube. Mas passou a sentir frio. Estavam no pólo norte. A grama parecia molhada de orvalho, o deserto verde e gelado se estendia até onde a forte luz solar lhe permitia ver.
Os ursos, pequenos e cinzas, rolavam enormes massas vermelhas e furadas. Era o queijo mais fedorento que já tinha cheirado. Um urso se aproximou. Ele levou a mão para o sentir. Era macio, como seu cobertor que tinha caído no chão, o deixando com frio. Ele rola na cama. Esbarra em alguém, que com uma voz rouca e suave o chama pelo nome. Ele abre os olhos e vê a face pálida e amassada de sua esposa.
Tive um sonho estranho! Exclamou enquanto se olhava no espelho. Era cego, não conseguia atravessar a rua, fui sequestrado por ratos que queriam os queijos do pólo norte...
Sim ele via. E sonhava. Mas vivia em um mundo real onde seus sonhos eram mais loucos. Sonhava que estava vivendo como se devia. Que fazia as coisas certas. Ninguém lhe abria os olhos. E assim, todo queijo era rolado pra longe, todo o calor era perdido. A vida não era vivida devidamente. Não via seus erros. Era cego e vivia em um pesadelo.

9 de agosto de 2009

ABSTINÊNCIA EMOCIONAL

Acordar cedo, comer uma fruta colhida do pé. Ordenhar de uma rechonchuda vaquinha o branco leite. Arrancar da horta as eras que atrapalham o crescer das hortaliças. Arrancar algumas hortaliças e preparar uma salada para o almoço. Deixar as vasilhas na pia e tirar uma soneca, sem compromisso com horários. Espreguiçar. Soltar a vaca no pasto. Colher algumas frutas no pé. Recolher os ovos das galinhas que vivem soltas no mato. Requentar o almoço, lavar as vasilhas. Tomar um banho mal tomado. Dormir sem roupas íntimas.
Essa é a rotina daquele que vive entre as as rochas, escondido dentro da mata, num casebre de um cômodo só. Sem família, sem vizinhos, sem música, sem rotina. Sem sentimentos. Perdera os sentimentos antes de nascer. Quando sua mãe reclamava e brigava com seu pai pela desgraça de engravidarem. Ele fugiu. Ela bateu na barriga e entrou em trabalho de parto. Não quis ver a criança. Não quis vê-lo. Foi criado pelo avô, que morava entre as rochas, escondido na mata. Foi o único humano que conheceu.
Não sonhava, não sorria. Não chorava, dor não sentia.
Se privava de emoções. Tinham descoberto seu esconderijo uma vez. Ele não sentiu raiva. Nem alegria. Só pediu que se retirassem. Não tinha medo. Não sabia o significado de saudade. Aliás, não sabia português. Tinha falado um dia. Já não falava mais.
Um dia, ao olhar pro céu, viu algo colorido. Não sentiu curiosidade, mesmo assim seguiu aquilo. Ele aproximou-se da terra. Pousou numa clareira perto da cachoeira onde tomava banho. Tirou o capacete. Um cabelo comprido e loiro balançou ao vento. Via tudo escondido no mato. Aquilo falou com alguém que não estava lá. Juntou suas asas, pôs nas costas e sumiu no mato. Foi assim que ele descobriu o amor. Mas não quis encara-lo. Não conseguiu demonstrá-lo. Apenas o sentiu, e deixou de sentir. Por um dia sentiu saudade. Mas preferiu não sentir mais. Isso o incomodava. Preferiu não sentir. Preferiu não sonhar. Preferiu não amar.