18 de agosto de 2009

SONHO DE UM CEGO

Os olhos, já escuros, se fecham. Um bocejo e uma lágrima. O dia foi árduo. Finalmente o merecido descanso. A cabeça sobre plumas. O corpo coberto, aquecido. A mão corre pelo cobertor, o tato é macio. O corpo desliga. Mas a mente não para. A fábrica humana de sonhos funciona a todo vapor. Uma linha de raciocínio vira uma estrada, um caminho. O pé descalço segue por ele.
O sinal se fecha. A espera pelo silêncio dos motores para poder atravessar a rua. Os motores não param. A rua não se silencia, o mundo não dá passagem. Ele se atreve e atravessa assim mesmo. Um cão late. Agora dois. Um focinho gelado toca sua perna. Sua mão procura. Acaricia o macio pelo branco de um cachorro preto. Um bando de cachorros o guia para o outro lado da cidade, onde uma guangue de ratos o prende em uma cadeira e começa a interrogá-lo. Onde estão os queijos, vermelhos e suculentos. Os queijos tem gosto de vermelho. Ele não sabe. A fria geladeira e grande demais para poder localizar todo o queijo do mundo.
Ouve-se uma voz, os ratos se movem. É uma voz de mulher, nova, rouca mas delicada. Ele conhecia mulheres, já havia apalpado seios. Ela o pega no colo. Esses são muchos e caídos, e o tronco curvo. Ele olha sua face. Ingênua e grosseira. Te mostrarei os queijos. Ela diz. O que se passa a seguir são incógnitas. Voaram? Deslizaram? Caíram? Não se soube. Mas passou a sentir frio. Estavam no pólo norte. A grama parecia molhada de orvalho, o deserto verde e gelado se estendia até onde a forte luz solar lhe permitia ver.
Os ursos, pequenos e cinzas, rolavam enormes massas vermelhas e furadas. Era o queijo mais fedorento que já tinha cheirado. Um urso se aproximou. Ele levou a mão para o sentir. Era macio, como seu cobertor que tinha caído no chão, o deixando com frio. Ele rola na cama. Esbarra em alguém, que com uma voz rouca e suave o chama pelo nome. Ele abre os olhos e vê a face pálida e amassada de sua esposa.
Tive um sonho estranho! Exclamou enquanto se olhava no espelho. Era cego, não conseguia atravessar a rua, fui sequestrado por ratos que queriam os queijos do pólo norte...
Sim ele via. E sonhava. Mas vivia em um mundo real onde seus sonhos eram mais loucos. Sonhava que estava vivendo como se devia. Que fazia as coisas certas. Ninguém lhe abria os olhos. E assim, todo queijo era rolado pra longe, todo o calor era perdido. A vida não era vivida devidamente. Não via seus erros. Era cego e vivia em um pesadelo.

Um comentário:

Anônimo disse...

por que eu fiquei com impressao de que vc está falando de vc? ._.