5 de abril de 2010

CAPÍTULO 03 - Sinais

O trânsito em aumentado recentemente. A cada dia aparecem novas casas e obras no condomínio, e o trajeto até o centro da cidade fica cada vez mais movimentado. Poucos usam uma bicicleta, como eu, apenas alguns estudantes. A maioria das pessoas vão para o trabalho ou atividades de carro. O número de motos vem crescendo, mas os carros ainda predominam. De vez em quando é possível encontrar um cavalo ou carroça nas ruas. E cidade pequena nunca é previamente planejada. As ruas são criadas meio que ao acaso, e a fluência do transito cada vez pior.

As cidades pequenas cada dia mais têm tomado para si características das cidades grandes. Nem mesmo ir conversar com os vizinhos na calçada faz parte das atividades diárias. Se eu posso simplesmente ligar pra ele e falar o que eu preciso, porque sair de casa? Por falar em ligar, onde foi que eu pus mês celular? Será que estou atrasado?

_ Achei! – com um pouco de dúvidas se aquilo era mesmo meu celular. Andar de bicicleta e mexer na mochila ao mesmo tempo é difícil. Mas já estou acostumado. Meu espírito de aventureiro me permite o risco de andar sem as mãos no guidon. O prazer e o sentimento de liberdade também me estimulam a correr tal risco.

Não era o celular. Essa é uma das desvantagens de não usar relógio. Mas fazer o que? Não me acostuma com nenhum! Pelo menos já estou no centro da cidade. Pergunto ao primeiro conhecido que eu achar. Alguém conhecido à vista? Não. Ainda me parece cedo, pouco movimento nas ruas. Mesmo assim, tive que parar na faixa para algumas senhoras atravessarem.

_ Bom dia meu filho! – disse uma delas. Era a senhora dona da padaria que compro os pães.

_ Bom dia pra vocês também! – sei que é respeitoso chamar pessoas mais idosas de senhor e senhora, mas ainda não me acostumei.

_ Cuidado com essa bicicleta Felix! – Essa não era a voz de nenhuma das senhoras. Era Borges, indo pro trabalho na cidade vizinha. Tinha parado de carro ao meu lado, também esperando que as velhinhas atravessassem a rua.

_ Ah! Borges, bom dia! Pode me informar as horas?

_ Claro! – ele olhou o painel do carro.

_ Seis e doze.

_ Obrigado! – É, estou atrasado.

_ As babás estavam te espiando hoje de novo! Esqueceu a cortina aberta mais uma vez?

_ É! Não me acostumei com isso! A pressa, é a pressa! Essa correria de cidade grande que invade o interior!

_ É, e falando de cidade grande, tenho que ir pro trabalho. Até outra hora!

_ Até!

Borges arrancou o carro, deu seta à esquerda e rapidamente sumiu de vista.

Esse movimento me fez perceber a placa de pare antes da faixa de pedestre que estava a minha frente, e a placa de controle de velocidade um pouco à frente (que indicava uma velocidade bem menor do que a que Borges havia atingido ao arrancar).

Odeio placas, sinais. Nunca fui bom com eles. Prefiro mesmo minha bicicleta. Se bem que ela não me isenta dos sinais de trânsito.

Não cresci em uma cidade pequena. Nasci, cresci, estudei e me formei em Belo Horizonte. Sempre muito desatento. Tantas placas, letreiros, pessoas. Não conseguia me concentrar em uma só coisa. Foi uma tortura passar na prova de direção quando completei meus dezoito anos. Nessa época eu era mais ligado nas coisas. Já sentia a importância dos sinais que nos eram impostos na rua. Mas algumas saias curtas facilmente me tiravam a atenção. Alguns cabelos esvoaçantes, alguns sorrisos direcionais e olhares cruzados. Os hormônios afloravam e ativavam os radares nos olhos ouvidos e olfato. Mas a boca, essa permaneceu fechada. Nada além de palavras, e isso quando ninguém estava ouvindo.

Essa foi uma época complicada. O terceiro ano do ensino médio tinha acabado de terminar. Aquela fase em que eu não tinha amigos, me excluíam por me acharem diferente. Investigavam-me por não me expor tão facilmente. Especulavam-me por não demonstrar meus sentimentos. Tudo isso porque não me importavam as regras impostas pela sociedade (pelo menos a sociedade da minha idade) sobre como me vestir, aonde ir, como ser, como amar.

Nunca segui as leis sociais como devia. Nunca fui bom em entender os sinais. Hoje sei que fui amado sem perceber, mas também amei, sem saber. Nunca entendi os meus próprios sentimentos. Minhas reações, minhas emoções. Precisava fazer auto-escola emocional, aprender e entender os “sinais de trânsito emocional”. Fui reprovado duas vezes no exame de rua. Fui reprovado no mínimo dez vezes no exame do amor. Se é que era amor.

Peraí, porque estou perdendo meu tempo parado aqui na faixa se eu estou atrasado pro trabalho?

Pés no pedal. Mochila nas costas. O Renan deve estar uma arara comigo! Temos que revisar um projeto pra essa semana ainda. Mais algumas curvas e já estou lá. Mais algumas pedaladas. Vou ter que trocar de roupa antes de começar o trabalho, essa já está um pouco suada. Espero que o blazer cinza realmente esteja no escritório.

Entro com a bicicleta na garagem do prédio, trabalho no segundo piso. Meus pés estão meio calejados. Não sei por que insisto em usar esses sapatênis! Prefiro muito mais minhas sandálias de pneus ou meus tênis que comprei paras as caminhadas. Tudo pela aparência profissional que infelizmente temos que manter. Trancar a bicicleta e subir as escadas é tudo o que falta pra chegar à minha sala e ouvir os murmurinhos dos que chegaram na hora certa.

Entro na vão de circulação vertical do prédio. Tiro minha mochila nas costas, sento nos primeiro degraus das escadas. Espero um pouco pra retomar o ar que falta nos pulmões. Cinco minutos a mais no atraso não farão diferença. Hoje posso interpretar melhor meus próprios pensamentos, meu respirar. Posso ler meus sinais. Tive que quebrar muitas barreiras pra me entender melhor. Mas daí a dizer que posso entender melhor as pessoas ao meu redor, principalmente as mulheres, é demasiadamente exagerado. Aproveito esses instantes para pensar nos defeitos que estão incrustados na minha vida sentimental. Não consigo interpretar o tempo que se passou desde aquela época até agora.

Recoloco a mochila nas costas, e começo a subida pro trabalho, retomo a subida da minha vida.