9 de agosto de 2009

ABSTINÊNCIA EMOCIONAL

Acordar cedo, comer uma fruta colhida do pé. Ordenhar de uma rechonchuda vaquinha o branco leite. Arrancar da horta as eras que atrapalham o crescer das hortaliças. Arrancar algumas hortaliças e preparar uma salada para o almoço. Deixar as vasilhas na pia e tirar uma soneca, sem compromisso com horários. Espreguiçar. Soltar a vaca no pasto. Colher algumas frutas no pé. Recolher os ovos das galinhas que vivem soltas no mato. Requentar o almoço, lavar as vasilhas. Tomar um banho mal tomado. Dormir sem roupas íntimas.
Essa é a rotina daquele que vive entre as as rochas, escondido dentro da mata, num casebre de um cômodo só. Sem família, sem vizinhos, sem música, sem rotina. Sem sentimentos. Perdera os sentimentos antes de nascer. Quando sua mãe reclamava e brigava com seu pai pela desgraça de engravidarem. Ele fugiu. Ela bateu na barriga e entrou em trabalho de parto. Não quis ver a criança. Não quis vê-lo. Foi criado pelo avô, que morava entre as rochas, escondido na mata. Foi o único humano que conheceu.
Não sonhava, não sorria. Não chorava, dor não sentia.
Se privava de emoções. Tinham descoberto seu esconderijo uma vez. Ele não sentiu raiva. Nem alegria. Só pediu que se retirassem. Não tinha medo. Não sabia o significado de saudade. Aliás, não sabia português. Tinha falado um dia. Já não falava mais.
Um dia, ao olhar pro céu, viu algo colorido. Não sentiu curiosidade, mesmo assim seguiu aquilo. Ele aproximou-se da terra. Pousou numa clareira perto da cachoeira onde tomava banho. Tirou o capacete. Um cabelo comprido e loiro balançou ao vento. Via tudo escondido no mato. Aquilo falou com alguém que não estava lá. Juntou suas asas, pôs nas costas e sumiu no mato. Foi assim que ele descobriu o amor. Mas não quis encara-lo. Não conseguiu demonstrá-lo. Apenas o sentiu, e deixou de sentir. Por um dia sentiu saudade. Mas preferiu não sentir mais. Isso o incomodava. Preferiu não sentir. Preferiu não sonhar. Preferiu não amar.

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