Em minhas divagações pela BBT, em busca de literaturas interessantes, encontrei um livro de poemas se Thiago de Mello, de Santiago do Chile. Bem, não é um poema, mas digno de leitura.
Os Estatutos do Homem
(Ato Institucional Permanente)
ARTIGO I - Fica decretado que agora vale a verdade, que agora vale a vida, e que de mãos dadas, trabalharemos todos pela vida verdadeira.
ARTIGO II - Fica decretado que todos os dias da semana, inclusive as terças-feiras mais cinzentas, têm o direito de converter-se em manhãs de domingo.
ARTIGO III - Decretado, a partir deste instante, haverá girassóis em todas as janelas, que os girassóis terão direito a abrir-se dentro da sombra; e que as janelas devem permanecer, o dia todo, abertas para o verde onde cresce a esperança.
ARTIGO IV - Fica decretado que o homem não precisará nunca mais duvidar do homem. Que o homem confiará no homem assim como a palmeira confia no vento, como o vento confia no ar, como o ar confia no campo azul do céu.
Parágrafo Único: O homem confiará no homem como um menino confia em outro menino.
ARTIGO V - Fica decretado que os homens estão livres do jugo da mentira. Nunca mais será preciso usar a couraça do silêncio nem a armadura de palavras. O homem se sentará a mesa com seu olhar limpo porque a verdade passará a ser servida antes da sobremesa.
ARTIGO VI - Fica estabelecido, durante dez séculos, a prática sonhada pelo profeta Isaías, e o lobo e o cordeiro pastarão juntos e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.
ARTIGO VII - Por decreto irrevogável fica estabelecido o reinado permanente da justiça e da claridade, e a alegria será uma bandeira generosa pra sempre desfraldada na alma do povo.
ARTIGO VIII - Fica decretado que a maior dor sempre foi e sempre será não poder dar-se amor a quem se ama e saber que é a água que dá à planta o milagre da flor.
ARTIGO IX - Fica permitido que o pão de cada dia tenha no homem o sinal de seu suor. Mas que sobretudo tenha sempre o quente sabor da ternura.
ARTIGO X - Fica permitido a qualquer pessoa, a qualquer hora da vida, o uso do traje branco.
ARTIGO XI - Fica decretado, por definição, que o homem é um animal que ama e por isso é belo, muito mais belo que a estrela da manhã.
ARTIGO XII - Decreta-se que nada será obrigado nem proibido, tudo será permitido, inclusive brincar com rinocerontes e caminhar pelas tardes com uma imensa begônia na lapela.
Parágrafo Único: Só uma coisa fica proibida: amar sem amor.
ARTIGO XIII - Fica decretado que o dinheiro não poderá nunca mais comprar o sol das manhãs vindouras. Expulso do grande baú do medo, o dinheiro se transformará em uma espada fraternal para defender o direito de cantar e a festa do dia que chegou.
ARTIGO FINAL - Fica proibido o uso da palavra liberdade, a qual será suprimida dos dicionários e do pântano enganoso das bocas. A partir deste instante a liberdade será algo vivo e transparente como o fogo ou o rio, e a sua morada será sempre o coração do homem.
Thiago de Mello
Santiago do Chile
Abril de 1964