18 de março de 2010

CAPÍTULO 01 - O SONHO

Jamais pude ver beleza maior que aquela. Olhos que refletiam o azul do céu de forma tão pura que o próprio céu achava-se envergonhado por fazer parte de sua beleza. Ela estava em meus braços. Perto demais. A ponto de não conseguir vê-la por inteiro. Seus cabelos escuros cobriam seu nariz. Ela está contra o vento. Sua face brilha com o entardecer que se aproxima, deixa sua pele dourada. As árvores ao nosso redor cantam uma melodia orquestrada pelo vento, acompanhada pelo canto dos rouxinóis e canários amarelo ouro. Ela se vira, corre. Parece fugir de mim. Parece assustada. Mas seus olhos me cativam, me gritam, apesar de só conseguir ouvir o vento nas árvores. Não creio que fuja de mim. Não sei quem ela é, não me lembro. Mas sei que já a tive, e a terei novamente em meus braços. Por isso a perseguição. Seu vestido pesado amassa a grama por onde ela passa. A distância diminui. Está ao alcance de um braço. Minha mão a segura firme pelo braço. Ela vira com um solavanco, parando com a outra mão apoiada em meu peito. Meu outro braço a segura com um abraço. Sinto sua respiração forte e assustada em meu pescoço, seu coração bate acelerado, seus cabelos misturam-se ao seu suor, grudados em seu rosto. Nenhuma palavra. Seu olhar, que mistura fúria e medo, agora está fitado em meus olhos. As rugas de sua testa mostram o quanto está assustada. Sua pele quente e úmida desliza sobre meus dedos que tentam descobrir os segredos das curvas de suas costas nuas. Ela desvia o olhar e apóia sua cabeça sobre meu ombro que movimenta-se com o respirar ofegante de meus pulmões. Minhas mãos chegam ao seu pescoço e seguram sua cabeça. O próximo movimento coloca-nos novamente com os olhos fitos nos olhos do outro. A respiração cessa. Sua mandíbula relaxa um pouco, deixando que seus lábios róseos se separem. Não consigo sentir sua respiração, apesar dos meus lábios estarem a pouca distância dos dela. Ela parece desconfiada dos meus propósitos, apesar de eles estarem bem claros. Mesmo assim permite o toque, que desbloqueia o ar preso em meu pulmão. Ela resiste no início. Não consegue abrir seus olhos. Seus lábios não correspondem aos movimentos dos meus. O tempo parece longo demais quando não se é correspondido. O rosto que deveria estar quente parece frio. Desisto da primeira tentativa. Minha boca se afasta da dela, minhas mãos fazem com que seu rosto volte-se para o meu. Olho fixamente para ela. Ela abre os olhos mas olha para baixo. Minhas mãos ainda em sua nuca acariciam seus cabelos rebeldes. Ela sente o toque da pele estender-se por toda a coluna, o que a estimula a olhar novamente em meus olhos. Arrisco uma aproximação. Seu olhar não mais desvia. Sua respiração volta a ser ofegante. Seus lábios se fecham a espera do segundo toque. Paro por um instante procurando um defeito nos fatos que se passaram, minha mente não consegue distinguir o tempo em que tudo aquilo acontece. Então os lábios se tocam novamente, agora é possível sentir o calor do beijo que é correspondido. Nossas bocas se abrem permitindo que nossas línguas se toquem. Uma rajada de reações e impulsos invadem meu cérebro. O toque áspero e suave das línguas ativa emoções que não podem ser descritas por alguém que nunca as sentiu. O tempo parece longo demais quando se está sob o controle de um beijo. Podia sentir sua suas mãos procurando algo para apoiar. Logo ela encontra minhas costas, mas o que sinto não é apenas uma mão em busca de carinho. Ela se apóia firme sobre minha lombar, seus dedos se fecham apertando forte minha camisa. A força do outro braço que permanece em minhas mãos começa a desvanecer, seus lábios perdem a ardor do beijo. Seus olhos começam a perder o azul vital do céu e começam a refletir um cinza pálido. Ela perde o foco. Sinto o peso de sua cabeça em minha mão. O susto invade meu ser, e como se algo me repelisse dela meu beijo se solta do dela, minhas mãos se afastam de sua cabeça e braço. Nesse instante sua cabeça começa a tombar pra traz, em um movimento acelerado e contínuo que é acompanhado por todo o corpo. Novamente minha respiração para ao ouvir um suspiro fundo e seco que sai da boca dela. Seu corpo está em movimento de queda, minha mão não mais segura sua cabeça, seus cabelos cobrem seu rosto, seu vestido pesado só a puxa para baixo. O Vento cessa. Os pássaros não mais cantam. Um grito ecoa em minha mente, mas nenhum som é emitido pela boca, apesar de eu poder sentir o vibrar da minha garganta. Ela encontra-se com o chão em um colchão de folhas, suas mãos ainda em queda parecem fazer um último pedido de ajuda. Algumas folhas secas são levantadas ao vento, junto com elas uma lagarta que andava vagarosamente sobre uma delas. Os pássaros saem em revoada das copas das árvores. As folhas verdes caem como chuva. Ao se aproximarem do chão elas vão se tornando mais escuras, quase secas. A lagarta, agora sobre seu vestido, se contorce para virar-se e continuar sua lenta caminhada. Seus olhos permanecem abertos. Os meus não sabem mais para onde olhar. Então, num movimento lento das pálpebras elas se fecham. Sinto o suor de o meu próprio rosto escorrer, ou seria uma lágrima? Ela escorre dos olhos em direção à orelha. Isso parece ilógico! Minha mente pára para refletir sobre a lágrima como se nada do que meus olhos viram fosse verdade. Se a lágrima escorre dos olhos em direção à orelha, provavelmente estou deitado, e não em pé como parece. Meus olhos se abrem para constatar mais uma verdade. Acima de mim só o teto de meu quarto. Minha boca se abre como por um impulso, minha cabeça se levanta em uma profunda respiração que me acorda alarmado. Na parede à minha frente o ponteiro dos segundos do relógio parece parado. Minhas mãos procuram meus óculos na mesinha ao lado da cama. Ao colocá-los percebo que o ponteiro de segundos se desloca como sempre, de segundo a segundo.
_ É cedo demais.
O sol ainda desponta no horizonte. E a imagem dela não sai da minha cabeça. Mais uma noite perturbado pelo fantasma da mulher morta sem nome, sem rosto, apenas pedaços de uma história do qual só sei o final. Os olhos não são mais capazes de se fechar. A coluna procura uma melhor posição. Sento-me na cama. Meus olhos olham pelo vidro da janela um sol que inconsciente incomoda minha visão. Visto uma roupa. Calço um tênis. Ligo o meu mp3 player, que toca voluntariamente “Here comes the Sun”, dos Beatles. Saio para uma caminhada. Ainda é cedo demais. Não tenho mais nada a fazer nesse sábado.

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